Renato Freitas questiona polêmico repasse de verbas públicas às comunidades terapêuticas

vino
4 min readJun 2, 2021

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Acusado de intolerância religiosa, vereador traz à tona uma questão de saúde pública

Ao questionar o repasse de verbas públicas às comunidades terapêuticas ligadas a entidades religiosas, o vereador Renato Freitas passou a ser perseguido por vereadores da bancada evangélica da Câmara de Curitiba. Durante debate da Câmara de Vereadores, em fevereiro, Renato não só questionou a manutenção de tais comunidades, mas sugeriu o investimento em equipamentos de saúde pública, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). A reação, por parte dos pastores, foi acusá-lo de intolerância religiosa, e tentaram cassar seu mandato, em ações antidemocráticas. “Nossa Constituição não é a Bíblia”, respondeu Renato, apontando ainda o proselitismo dessas iniciativas. Ou seja, o esforço de converter alguém a uma determinada doutrina.

Conforme apurado pelo The Intercept Brasil, há denúncias de trabalho forçado, abusos e ameaças em algumas dessas comunidades terapêuticas financiadas pelo estado. Com a polêmica, Renato Freitas trouxe ao debate público uma questão pouco discutida em Curitiba e que, exatamente por isso, merece nossa atenção para a fala de especialistas, como profissionais da saúde, da psicologia, lideranças de movimentos sociais e pessoas que utilizam os equipamentos de saúde.

“É igual à cloroquina!”
“Quando é apenas uma estratégia, que não é integrada, uma relação contextual de onde a pessoa se insere, a eficácia é baixíssima, só tirar a pessoa do meio e “rezar pra que tudo resolva”, isso cientificamente não tem eficácia. A gente aposta, a gente coloca dinheiro público, numa estratégia que se demonstra ineficaz. “É igual à cloroquina”. A gente aposta em coisas que não têm eficácia científica. (…) A questão de drogas é multifatorial, precisa de políticas engajadas, intersetoriais, se pegarmos países modelos de políticas, são diversas, há um guarda-chuvas de políticas públicas. É uma pena que o debate político hoje está muito empobrecido, a gente quer uma resposta milagrosa, por isso que eu uso o exemplo da cloroquina, ela traduz um jeito de operar politicamente, um jeito de “bala de prata”, “se eu fizer isso tudo se resolve”, mas é um jeito simplista de enxergar a realidade. Com essa realidade das comunidades terapêuticas também acontece de um jeito simplista.”
-Deivisson Vianna, professor de Saúde Coletiva da UFPR, coordena o mestrado em saúde da família.

Lógica proibicionista, punitivista e higienista
“Na pandemia, houve uma explosão de casos de contágio em comunidades terapêuticas. Na tentativa de fiscalizar essas instituições, percebemos a dificuldade, porque são instituições privadas, de portas fechadas. (…) Não há interesse para o diálogo, funcionam de uma forma muito individual, reproduzindo uma lógica proibicionista, punitivista, e até higienista. É no mínimo de se desconfiar, como você promete uma cura tão rápida e milagrosa num curto espaço de tempo, num modelo em que o foco é a privação da autonomia, da liberdade? Isso é uma farsa.”
-Emilia Senapeschi, psicóloga e suplente no Conselho Municipal de Políticas Sobre Drogas de Curitiba (COMPED)

Retrocesso de políticas públicas
“Vemos a retirada de verbas, seja para os CAPS, os consultórios nas ruas, pra jogar nas comunidades terapêuticas. E acabando com boas políticas públicas que cuidem da saúde mental, atingem diretamente quem está mais vulnerável. A gente precisa de consultórios na rua, CAPS, de continuidade e fortalecimento. Trabalhos com economia solidária, ferramentas realmente importantes pra população. Acabam tentando “esconder” o problema ou invés de resolvê-lo. Porque não têm sequer uma equipe técnica capacitada pra entender a demanda de quem realmente precisa.”
-Leonildo Monteiro, liderança do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR)

Por uma ética do cuidado
“O sucateamento dos CAPS em Curitiba já atendia ao interesse das comunidades terapêuticas, que hoje fazem esse tipo de lobby, seja aqui, seja em nível nacional. Temos o modelo da saúde pública, que foi violado, sucateado (…) Qualquer política pública inteligente deve ser de promoção à saúde, educação para autonomia, com estratégias de prevenção secundárias e terciárias. Segundo que qualquer política pública inteligente, não podemos ter um serviço, como as CTs, desses grupos de ajuda mútua, puritanos, abstinência total. Esse modelo é ruim porque quer dizer que não vou cuidar de quem não quer parar? Deve haver uma redução de danos como uma ética do cuidado.”
-Altieres Frei, psicólogo clínico, docente e pesquisador.

“Bom samaritano”
“Na época em que eu frequentava, era basicamente o lado religioso, mesmo, a terapia que se fazia era trabalhar, e aquilo não tinha fim. A pessoa tinha até de mudar a fé, se tinha outra fé, tinha de frequentar os cultos (…) O Greca pinta as coisas como bom samaritano, mas no fundo, se você ver a caminhada dele, é fechar projeto, sucatear tudo, fazer caridade com a sociedade organizada, e criminalizar quem é pobre.
-Stevam Gomes, integrante do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR)

Para prosseguir e enriquecer o debate, reunimos algumas referências sobre o tema:

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